terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Lágrimas



De onde estava sentado pôde ver os olhos da mulher tornarem-se repentinamente úmidos. Notou o movimento sutil de sua garganta como se engolisse algo áspero, percebeu que ela apertava com a mão esquerda os dedos da mão direita. Sentiu-se incomodado quando a umidade dos olhos dela cresceu e vazou em grossas lágrimas que percorreram lentas o rosto negro.
Olhou em volta procurando mais alguém entre todas as pessoas que estavam no local que assim como ele houvesse percebido a dor estampada naquele rosto sentado na mesa logo a frente da sua, que fizesse algo que o eximisse de mover-se na direção daquela desconhecida, ou ao menos partilhasse da culpa por omitir-se. Não encontrou.
Aproximou-se dela e lhe estendeu um lenço de papel. Ela olhou-o e aceitou o papel em silêncio. Pressionou o papel sobre as pálpebras deixando-o com manchas escuras de resíduos de maquiagem.
_Você pode ficar aqui comigo?
Os olhos negros brilhantes por causa do choro transformavam a pergunta em súplica, que ele atendeu de pronto sentando-se ao lado dela. Não disseram nada e a ausência de palavras causava um desconforto a ele, angustiava-se por não saber se deveria ou não estabelecer uma conversa, pensava em coisas que gostaria de perguntar-lhe para em seguida pensar na possibilidade de isso a constranger e mantinha-se calado.
A voz dela, limpa e baixa, retirou-lhe da angústia.
_Desculpa pedir pra você ficar comigo...
_Você não pediu. Você me perguntou se eu podia ficar.
Ela sorriu, e o sorriso dela fez com que o peito dele ficasse mais leve desenhando em seu rosto um sorriso também.
_Então desculpa por chorar em público.
_Imagina, nem foi assim um choro. Passava por um cisco no olho fácil.
Dessa vez o rosto inteiro dela se abriu em um riso amplo e ele subitamente – como alguém que de repente recebe dos céus uma revelação – enxergou nos traços dela uma beleza exata, plena.
Ainda com um resto de sorriso na face ela agradeceu.
_Obrigada, eu normalmente sentiria vergonha por ter chorado assim, mas com você dizendo que pareceu um cisco...
_Vergonha? Não precisa se envergonhar isso é algo natural, todas as pessoas que eu conheço certamente iriam verter lágrimas se tivessem que ler sobre física aristotélica _disse pegando um dos livros que estavam em cima da mesa dela _ Eu mesmo sempre vejo gente chorando aqui na biblioteca, por entre as prateleiras, tanto que trago comigo lenços de papel...
Ela dirigiu a ele um olhar incrédulo.
_Isso e o fato de ser alérgico a poeira, sempre que venho aqui acabo precisando de lenços.
_Bem que havia ficado desconfiada dessa sua história de trazer lenços para secar as lágrimas de estranhos na biblioteca.
Novamente ficaram em silêncio, entreolharam-se, e nesse encontro calado de olhos havia uma ternura mútua, secular.


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