quarta-feira, 15 de abril de 2009

Nair



Ela estava exultante. Seu coração batia acelerado, os cabelos soltos balançavam no ritmo de sua corrida. "Eu fiz o que é certo!" pensava sem parar.
Já havia meses que arquitetara tudo. Planejara cada um dos passos que haveria de dar até alcançar seu objetivo. Ele certamente merecera aquela morte. Nair suportara longos anos de sofrimento. Aquela era a hora da mudança.
"Seu Josias, acode! ", gritou ofegante pela corrida em frente a casa do vizinho.
"O que foi minha filha?"
"É meu marido, acho que ele morreu", mentia, ela tinha plena certeza de que o matara.
Josias acompanhou a mulher de volta a sua casa. Da entrada da sala já pode ver o corpo abrutalhado de Moisés de bruços no chão. Os olhos entreabertos, a mandíbula cerrada.
Todos acreditaram nela. No velório enquanto algumas mulheres dos arredores entoavam músicas e rezas, podia se ouvir os comentários sussurrados dos homens. " Deve ter sido coração...", "Um homem tão forte...", " Coitada de dona Nair, ver o marido morrer assim num repente.", "Ela deve lembrar da filhinha que morreu assim também", " Será a mesma doença do pai?". Para ela o unico sofrimento era a agonia de não poder transparecer o alívio e alegria que sentia.
Como fora difícil conseguir o veneno. Como lhe custara cada uma de suas andanças pelo mato, atrás das ervas certas. Esforçando-se para lembrar das intruções que sua Bá lhe dera pouco antes de morrer. " Minha fia, minha mãe foi escrava de sua vó. Uma muié boa de verdadi. Eu nunca fui escrava obrigada não. Fui escrava do bem quere. Te alimentei co o leite gordo das minhas tetas. E o cê nunca me deu um desgoto sequer nessa vida por sua vontade. Mas num podia te triteza maió do que te vê sofrê tanto na unha desse mardiçoado. Eu vo te ensiná a matá ele. Ocê me jura que faz?".
Grande parte da demora para executar as ordens de Bá deveu-se ao fato de ter que esperar a florada de uma planta, que só aconteceria na época das chuvas. Enquanto esperava pensava nos detalhes. A melhor hora para faze-lo ingerir a comida envenenada. O que diria as pessoas. Onde iria enterra-lo.O melhor traje para ele, ela mesma e as crianças.
Agora estava ali no enterro do desgraçado. Enquanto fitava o rosto de traços duros no caixão recordava as maldades que lhe fizera. Todas as surras que levara. Os dentes que lhe quebrara, os socos e pontapés que desferira contra ela e, imensamente pior, contra os filhos.
Quando chegou em casa deitou-se em sua cama, chamou os filhos pra se deitarem com ela. Acolheu cada um dos meninos em um braço.
"Mãe eu não to triste do mesmo jeito que fiquei quando a neném morreu." Falou o menino mais velho.
"Não tem importância meu amor"
" Eu to feliz mãe. A gente nunca mais vai apanhar de ninguém." Afirmou cheio de convicção o caçula.
Acariciou os cabelos dos meninos, até que dormissem.
A escuridão da noite chegou. Etava tão negro como a madrugada em que o derradeiro choro da filha se espalhava pela casa. Mal pode ver quando Moisés entrou na cozinha em que Nair acalentava Tereza. Tomou o corpinho pequeno da filha nos braços, e tapou-lhe a boca. " Moisés pelo amor de Deus solta Tereza." Nair implorou, tentou em vão fazer com que libertasse a criança. Golpeou-lhe, mordeu-lhe, cravou as unhas compridas em sua pele. Ele empurrou Nair, fazendo com que caísse no chão. Sentou-se em cima dela ainda segurando a neném. Quando o corpo de Tereza já não fazia mais nenhum movimento levantou-se e entregou-lhe a Nair. "Eu disse pra você fazer ela ficar quieta senão eu fazia"
No velório da criança Moisés disse a todos que a filha havia dormido e não acordado. "Morreu como um anjo".
Antes de finalmente adormecer ela apertou os filhos contra o corpo e pensou "Eu fiz o certo".

Um comentário:

  1. Muito bem! Voce leva jeito p´ra coisa. É só continuar que estarei na cola para ler.

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